É possível vender um imóvel por um “valor simbólico”?

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Explicamos quais os fatores, riscos e implicações fiscais a considerar, com fundamento jurídico.

Vender uma casa por um “valor simbólico” refere-se à venda de um imóvel por um valor muito baixo ou nominal, muitas vezes inferior ao seu valor real de mercado. Os motivos para a realização desta prática podem variar e vão desde motivos altruístas, como ajudar amigos ou familiares, até querer vender a casa o mais rapidamente possível. Mas é legal fazê-lo? E quais os riscos associados? Tem implicações fiscais? Explicamos tudo neste artigo, com fundamento jurídico.

 

 

Em primeiro lugar, “cumpre referir que em Portugal, e sem prejuízo de eventuais disposições especiais de caráter regulatório, na compra e venda de bens imóveis, como quaisquer outros, vigora o princípio da liberdade negocial, podendo ser fixado entre as partes o preço e condições que considerem adequados”, começam por explicar Teresa Pala Schwalbach, Sócia do núcleo de Direito Fiscal da Sérvulo, Joana Pinto Monteiro, Associada Principal do núcleo de Departamento de Imobiliário e Lénia Sousa, Associada Sénior do núcleo de Direito Fiscal da Sérvulo & Associados, neste artigo preparado para o idealista/news. Não obstante, frisam as especialistas, “a decisão de vender um imóvel por valor simbólico não deve ser tomada de ânimo leve”.

 

 

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Aquando da venda de um imóvel podem existir entidades com direito legal de preferência, isto é, entidades com o direito de adquirir, pelos mesmos termos e condições que o adquirente original, mas em detrimento deste.

 

Ora, um dos elementos que tem obrigatoriamente de ser comunicado é o preço da venda do imóvel. Assim, ao fazer-se a comunicação para o exercício do direito de preferência por determinado valor de venda, o vendedor fica vinculado ao preço indicado; assim, se o preço indicado for simbólico, é por esse valor que a venda dever-se-á realizar. O vendedor fica obrigado ao preço que apresentou. Entende-se que, com a comunicação e exercício para o direito de preferência, ambas as partes formulam uma proposta de contrato e respetiva aceitação.

Adicionalmente, e não menos relevante, uma operação desta natureza pode implicar consequências em sede de diferentes impostos.

 

Consequências fiscais

  • Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT)

Desde logo, o Código do IMT fixa como valor tributável o mais elevado entre o valor constante do contrato ou o valor patrimonial tributário (vulgo “VPT”) dos imóveis, sem prejuízo da existência de várias regras especiais, consoante o tipo de negócio em causa.

O VPT consiste no valor que a Autoridade Tributária (“AT”) atribui a um imóvel, sendo calculado de acordo com uma fórmula legalmente prevista que atende a vários critérios, tais como a área, a localização e a idade do imóvel. Assim, quando se transaciona um imóvel abaixo do VPT, a AT considerará sempre este último como o valor base para cálculo dos impostos (IMT e Imposto do Selo) devidos pela aquisição.

Isto significa, em termos práticos, que o adquirente de um imóvel nestas circunstâncias poderá acabar a pagar impostos sobre um valor superior àquele que efetivamente pagará para adquirir o mesmo. Na verdade, esta disposição legal consiste numa cláusula anti-abuso, à semelhança de outras normas que estão há muito previstas também em sede de impostos sobre o rendimento.

 

 

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  • Impostos sobre o Rendimento - IRS e IRC

Com efeito, e estando em causa transmissões entre particulares, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) estabelece que o valor de realização (isto é, o valor de venda) a considerar para efeitos de apuramento da mais ou menos-valia decorrente da alienação de um imóvel equivale ao valor considerado para efeitos de liquidação de IMT (ou o que fosse devido caso, não havendo lugar a esta liquidação, a mesma fosse exigível), sempre que superior ao valor acordado.

Assim, o VPT será o valor mínimo a considerar, via de regra, para efeitos de tributação na esfera do vendedor, não obstante o que se dirá mais adiante. Já da perspetiva do comprador, cumpre também notar que o valor de aquisição do imóvel influenciará o resultado fiscal resultante da sua futura venda.

 

 

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De facto, num primeiro momento, a aquisição de um imóvel por um valor simbólico pode parecer um negócio apelativo dado que reduz os montantes de IMT e Imposto do Selo a pagar aquando da aquisição. Não obstante, esta aparente vantagem pode revelar-se contraproducente, dado que poderá aumentar a base fiscal (mais-valia no momento da respetiva venda).

Quando a aquisição é feita abaixo do VPT, será este último valor que releva para cálculo da futura mais ou menos-valia. Desta forma, a legislação fiscal parece procurar, no momento da venda do imóvel, compensar o efeito adverso gerado aquando da sua aquisição, atento o pagamento mais elevado de IMT e Imposto do Selo.

 

Em qualquer caso, sendo a transação efetuada por valor simbólico, o vendedor sofrerá esse impacto, como acima brevemente referido, no momento da venda, dado que será esse valor simbólico pelo qual foi realizado o negócio que será, também, o valor utilizado para cálculo da mais ou menos-valia aquando da venda do imóvel. Assim, a eventual mais-valia será calculada como a diferença positiva entre o valor de venda e o valor de aquisição simbólico (ou respetivo VPT, se superior).

Neste cenário, a tributação decorrente da venda do imóvel poderá ser elevada, determinando um encargo oneroso em sede de IRS nesse momento.

 

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Já por referência às operações que envolvem sociedades e outras pessoas coletivas, o legislador vai ainda mais longe, remetendo – em aproximação ao que se encontra previsto em matéria de preços de transferência, quanto às operações praticadas entre entidades relacionadas, em geral -, para a adoção de práticas “de mercado”.

Nos termos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), os alienantes e adquirentes de bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do respetivo lucro tributável, valores normais de mercado que, tal como previsto para efeitos de IRS, não podem ser inferiores ao VPT definitivo que serviu de base à liquidação do IMT.

 

Em suma, por referência a quaisquer transmissões em que o preço praticado seja inferior ao VPT, e não obstante a (aparente) validade jurídica do negócio, será em principio este último o valor a considerar, para todos os efeitos fiscais.

Tal implica que, sempre que, nas transmissões onerosas, o valor constante do contrato seja inferior ao VPT definitivo do imóvel, sejam adotados procedimentos específicos, para efeitos contabilísticos e fiscais, pelas partes do negócio, com o objetivo de considerar o VPT como o elemento relevante para determinação do respetivo lucro tributável.

  • Aspetos práticos

Apesar do mérito de tais presunções, as quais visam prevenir práticas evasivas, não podem as mesmas ser tidas como inilidíveis, sob pena de extravasarem o princípio da capacidade contributiva. Ou seja, a aplicação “cega” destas presunções poderá determinar que a tributação aplicada a uma transação seja superior ao efetivo ganho obtido pelo alienante.

Nesse sentido, a consideração do VPT para efeitos de tributação, na esfera do comprador - IMT e Imposto do Selo -, e na esfera do vendedor - Impostos sobre o Rendimento - não é aplicável sempre que for feita prova de que o preço efetivamente praticado foi inferior.

 

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Para este efeito, deverá ser dirigido um requerimento ao Diretor de Finanças, apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreu a transmissão, caso o VPT já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

Contudo, notamos que a realização de tal prova implica que seja concedido, à AT, acesso à totalidade da informação bancária do requerente (bem como, tratando-se de uma pessoa coletiva, dos respetivos administradores ou gerentes), referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, abdicando-se, assim, do sigilo bancário.

 

Acresce que, quando ainda assim a AT considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tem a faculdade de proceder à respetiva determinação, com base nos meios e informação ao seu dispor.

Notamos que, no campo contraordenacional, quaisquer omissões ou inexatidões relativas à situação tributária praticadas em documentos fiscalmente relevantes são puníveis com coima de 375 a 22.500 euros, ou o seu dobro, estando em causa pessoas coletivas.

Naturalmente, e em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado, sendo suscetível de constituir fraude fiscal quando a vantagem patrimonial ilegítima for superior a 15.000 euros.

 

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  • Conclusões

Face ao exposto, conclui-se que, embora seja legalmente admissível a venda de imóvel por um valor simbólico, devem ser acauteladas várias questões, nomeadamente de natureza imobiliária e fiscal.

 

No âmbito imobiliário, como se referiu, a existência do direito de preferência legal de várias entidades na aquisição de imóveis aconselha a que a venda do imóvel que se pretende transacionar seja feita pelo seu valor de mercado, sob pena de o vendedor se vir vinculado a vender determinado imóvel a uma das entidades que venha a preferir pelo preço simbólico indicado.

Em matéria fiscal, é aconselhável que o valor mínimo a considerar numa transação corresponda ao respetivo VPT, determinado pela AT por referência à data de alienação, não obstante dever aproximar-se tanto quanto possível do respetivo valor de mercado, nas situações acima descritas.

 

 

Fonte: Idealista.pt

Publicado a: 15 de Março de 2024

Por: Idealista.pt

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